Fugir do marasmo não é tarefa fácil. Diante da necessidade comercial de 180 a 200 capítulos, raras são as novelas que escapam de momentos onde a trama não avança. Ao longo de oito meses, Gilberto Braga e Ricardo Linhares tentaram superar este desafio. Se aproximaram das séries americanas criando personagens que participaram de um número determinado de capítulos, em subtramas com começo, meio e fim – expediente pouco comum nas novelas.
Contudo, estes esforços esbarraram em alguns personagens pouco simpáticos, que não conseguiram criar vínculo com o público, tais como Raul (Antonio Fagundes), Carol (Camila Pitanga), André (Lázaro Ramos), Rafa (Jonatas Faro) e Kleber (Cássio Gabus Mendes). Além disso, certamente ficará para a história o insosso casal Marina (Paola Oliveira) e Pedro (Eriberto Leão). Em nenhum momento a jornada romântica convenceu os telespectadores. No penúltimo capítulo, exibido na noite de quinta-feira (18), um passeio dos pombinhos digno de comercial de margarina gerou comentários no Twitter que revelam a repulsa: “casal glicemia 500”, “casal xarope”, “casal Engov”, “casal Rivotril” e “casal azia” foram algumas definições.
Apesar destes e outros tropeços, a retomada da crítica contundente a temas cotidianos aproximou “Insensato Coração” de novelas mais marcantes de Gilberto Braga, como “Vale Tudo” e “O Dono do Mundo”, e a distanciou de “Celebridade” e “Paraíso Tropical”, que tiveram seus méritos, mas estão longe dos melhores trabalhos do autor.
A trama não deu trégua para a homofobia. Apesar de cerceados pela Globo, Gilberto Braga e Ricardo Linhares provocaram a audiência e abordaram muito bem os desafios que os homossexuais enfrentam pela garantia de seus direitos. “O carinho e o beijo não são proibidos. Contra lei é impedir um afeto, um abraço”, marcante frase de Chicão (Wendell Bendelack), foi uma excelente crítica ao posicionamento retrógrado de parte da sociedade e até mesmo da emissora que os emprega.
“Insensato Coração” também abordou a psicopatia por meio de Vinícius. O personagem, interpretado com grande competência pelo jovem Thiago Martins, escancarou as virulentas consequências da falta de informação sobre temas ligados a homossexualidade e despertou uma interessante reflexão: a maldade sem motivo existe e pode estar ligada à homofobia.
"Insensato Coração" foi uma novela marcada pelo seu ótimo texto, critica social e por grandes e marcantes personagens, que já entraram para a história da televisão e serão lembrados pelo público por muitos e muitos tempos.
Porém, o grande destaque de “Insensato Coração” foi Norma (Gloria Pires). Sem dúvida, a personagem foi a que mais fez juz ao título da trama e foi do inicio ao fim, o coração mais insensato da história.
A auxiliar de enfermagem não foi mocinha, nem vilã. Gilberto Braga e Ricardo Linhares criaram uma personagem HUMANA, que foi vítima de algumas circunstâncias da vida, mas, sobretudo, de suas escolhas – principalmente a fixação em Léo (Gabriel Braga Nunes). Houve quem a amasse, quem a odiasse, quem a defendesse e quem a julgasse. Norma foi a personagem mais complexa da história das novelas de todos os tempos. Simplesmente Fantástico!
Os autores mostraram que a busca por vingança, em vez de justiça, eliminou qualquer distinção de caráter entre ela e seu algoz. Por diversas vezes, Norma expressou seu dilema ético. Vivia em conflito com as mortes que causou e reconheceu, após capturar Léo, que acabou utilizando as mesmas práticas das quais foi vítima. A auxiliar de enfermagem morreu sabendo que era igual ao seu objeto de vingança. A bela interpretação de Gloria Pires e o texto provocador de Gilberto Braga e Ricardo Linhares mostraram que a novela pode se aproximar da realidade, indo além do dualismo. Não existe apenas o bem e o mal.
Existem corações insensatos que agem de acordo com as suas emoções e convicções.
Só por causar essa discussão e nos tirar do lugar comum, já deixou saudades!
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